Kazuo Ishiguro é um escritor delicado. De todos seus livros que li, a narrativa sempre transita entre a suavidade e a lentidão extrema. Não é fácil de acompanhar sua escrita, aliás. Ao contrário do conterrâneo Haruki Murakami, que está se popularizando cada vez mais no Brasil e no mundo com livros ágeis e surreais, Ishiguro foge de ficcionismos ao focar em aspectos da memória e realidade, transforma seus romances em obras intensas e que, em geral, causam forte reflexão no leitor.
Assim, quando comecei a ler O Gigante Enterrado, já me surpreendi. Apesar da memória e de reflexões da existência serem o pano de fundo, a nova obra do escritor nipo-britânico possui ares diferentes do restante de suas histórias.
Ambientada na Inglaterra pós-arthuriana, a história é centrada no casal de idosos Beatrice e Axl, moradores de uma vila isolada. Vítimas de uma misteriosa doença chamada de névoa, os moradores não conseguem se lembrar de aspectos e fatos do passado. O casal, então, decide partir em busca do filho há muito desaparecido, para recordar os traços do rapaz e, principalmente, para voltarem a ter alguma relação.
A partir daí, o livro começa a se transformar numa trama on the road épica. Com traços de George R. R. Martin, Tolkien e irmãos Grimm, Ishiguro vai mostrando os avanços de Beatrice e Axl — social e psicologicamente — ao decorrer da viagem. Novas alianças são traçadas, novos personagens surgem, assim como transformações na narrativa vão sendo pontuadas.
A escrita de Ishiguro, no começo, me incomodou muito. Querendo dar um ar muito forte de contos de fadas, o nipo-britânico pesou a mão na história. O excesso de descrições e o fato de Axl chamar Beatrice O TEMPO TODO de princesa me deixou extremamente irritado em algumas passagens. Muitas vezes, Ishiguro poderia deixar os diálogos simplesmente fluírem. Esse aspecto me fez recordar o filme A Vida é Bela. Ótimo filme, mas com excesso de “principessas” ditos pelo Benigni. Irrita e deixa o leitor com preguiça.
A falta de profundidade de alguns personagens também me deixou incomodado. Querendo desesperadamente se aproximar da narrativa de contos de fadas, Ishiguro foca em alguns personagens e esquece outros, que poderiam ter aspectos e funções interessantes dentro da história proposta.
Porém, não são só de pontos negativos que se tece a história de O Gigante Enterrado. Beatrice e Axl, apesar dos pesares, conseguem prender a atenção. E o fato de Ishiguro colocar o leitor no mesmo patamar que os protagonistas — ao não saber do passado deles tanto quanto o casal — deixa a história mais instigante e interessante.
Além disso, o escritor coloca fortes doses de surrealismo e e ficção, coisa apenas pincelada em obras passadas. E isso é muito bem feito. Os ogros, a névoa e o dragão possuem personalidade e aspectos importantes dentro do ambiente criado.
Por fim, o desfecho é muito satisfatório. As últimas 100 páginas podem ser lidas em um suspiro, de tão intensas e surpreendentes. Apesar dos erros mencionados persistirem, eles acabam sobrepostos pelas qualidades. E Kazuo Ishiguro é, então, mais um grande autor asiático a ser descoberto no Brasil e no mundo.
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