Sempre noto que minhas resenhas
refletem perfeitamente o que senti com o livro. Se a história resenhada não for
interessante e convidativa, a resenha também não será. Se for engraçada e
irreverente, a resenha segue na mesma linha. E por aí vai. E a crítica de Graça
Infinita, romance de David Foster Wallace, de acordo com meu
raciocínio, deverá ser longa e diferente do usual, mas interessante. E isso
porque o livro foge de todo e qualquer paradigma literário.
Para começar, o número de páginas
de Graça
Infinita é absurdo. Numa primeira vista, são 1136 páginas. Porém, há um
pequeno diferencial: a obra é diagramada para conter, por página, o dobro de
palavras do que um livro usual. Voltemos para as aulas de matemática: se cabem
o dobro de palavras, o livro de Wallace possui, em teoria, incríveis 2272
páginas! De longe, o maior livro que já li e o que mais demorei (foram 12
dias!). E a complexidade não para por aí.
O número de personagens é algo fora do normal.
O enredo viaja através do tempo, partindo do Ano da Fralda Geriátrica Depend para o Ano Chocolate Dove Tamanho-Boquinha. E isso alterava drasticamente
tudo e aumentava o número de personagens de modo desesperador. Para se ter uma
ideia, tive que fazer uma lista (de duas páginas!) com nomes, descrições e
localização dos personagens no espaço-tempo para conseguir acompanhar a leitura
mais facilmente. Porém, o desafio de ler Graça Infinita não para por aí.
A cada uma ou duas páginas,
surgia um número minúsculo: indicação de que havia uma nota/explicação sobre o
termo ou acontecimento no final do livro. E o número dessas notas me deixou aflito: são 388! Algumas se alongando por uma ou duas páginas. Tive até mesmo
que usar um marca páginas para as notas. E o mais interessante: muitas eram
sobre efeitos de remédios ou explicações farmacológicas de medicamentos que os
personagens estavam usando. Loucura, como o restante do livro.
E você deve estar se perguntando:
e a história? Então, esta é a parte mais difícil para mim. É muito complicado
falar sobre o livro como um todo sem dar algum tipo de spoiler ou estragar a
leitura. Mas tentarei ser o mais cuidadoso possível. O livro acompanha,
principalmente, a história da família Incandenza, moradora da ONAN, que uniu os
Estados Unidos e o Canadá. É uma organização governamental forte e quase
indestrutível.
Assim, acompanhamos a trajetória
dos irmãos Hal, Orin e Mario Incandenza na busca de sucesso neste novo e
estranho mundo distópico. Hal, um garoto muito inteligente e, arrisco dizer, é a
figura central da história; Orin, um ídolo do futebol americano; e Mario, meu
personagem favorito, que possui deformidades físicas e alguns problemas
mentais. Mas o que norteia, de fato, a história dos dois é um filme, produzido
por James, o pai. Tal filme, por mais estranho que pareça, tem muito entretenimento
em seu conteúdo e faz com que as pessoas que o assistam se esqueçam de viver e
morram. Isso, aliás, é, para mim, uma das melhores críticas ao cinema atual que
li nos últimos anos. É genial.
A partir dessa premissa, os três
começam a perceber que o governo e até mesmo grupos terroristas estão
utilizando o filme do pai como uma espécie de arma de guerra. E eles, então,
entram numa busca para impedir tal coisa. E essa busca acaba por transformar a
vida dos três e impulsioná-los na busca pelo sentido de tudo que os rodeia.
Toda essa história (que não é
só a tentativa de impedir o uso do filme como arma! Pelo contrário, é bem mais
que isso) é escrita com maestria por Wallace de uma maneira que nunca vi igual.
Ele articula as dezenas de personagens de maneira sofisticada e
inteligentíssima. E o melhor: o estilo do texto varia de acordo com o que ou
quem é o personagem principal narrado. Por exemplo: Hal é inteligentíssimo. Por
isso, nas partes em que ele é o personagem central, encontrava palavras como
presbíope, rototrêmula, infantólio, hipofalangial, jactância. Logo que vi isso,
peguei um dicionário para ir consultando. Mas vi que nem o dicionário tinha o
significado dessas palavras. Tinha que parar a leitura e consultar na internet
mesmo.
Essas narrativas diferentes, o
ótimo aproveitamento e descrição de personagens quase torna o livro algo
plural. Dava a sensação de que eram vários livros num só, tudo muito bem amarrado
com a escrita perfeita do autor. Além disso, todos (e quando digo todos, são
todos MESMO) são magnificamente descritos. Muitos personagens com costumes
bizarros, outros inteligentes, outros descritos com tamanha perfeição que se
tornam comuns. É lindo de se ver tal escrita.
Outra coisa interessante na
narrativa de Wallace é o ótimo ritmo. Apesar das primeiras 200 páginas serem
relativamente mais introdutórias, elas já possuem certo cadenciamento interessante.
A partir de certo ponto, então, fica impossível largar o livro. Li em alguns
lugares que a magia de Graça Infinita é que ele vicia o
leitor. E é verdade. Levei três dias para ler as 150 primeiras páginas. O resto
voou. Fiquei viciado nos personagens da família Incandenza. Quando o livro estava
chegando ao final, torcia para que as páginas de notas fossem mais história,
mais Graça
Infinita. E isso com um livro de centenas de páginas!
O final é genial. É abrupto,
até mesmo cruel com o leitor. Mas já estava tão inserido na vida dos
Incandenza, que o título acaba fazendo o maior sentido: sinto uma graça
infinita pelos personagens, pelo livro e pela escrita. Hoje, quando escrevo
isso, faz um dia que terminei e sinto falta dos desdobramentos da história.
Algo que nunca antes tinha acontecido.
Antes de encerrar, porém, um
adendo difícil de ser feito na maioria das resenhas: a tradução de Caetano
Galindo é fantástica. Nunca entrei em contato com a edição original, mas
imagino que seja algo dificílimo. E ele consegue, pelo que li, realizar a
tradução de maneira ímpar. Encontrei poucos erros e o estilo gramatical parece
ser mantido. Palmas para Galindo e para a Companhia das Letras, que trouxe essa
fantástica obra ao Brasil e com uma edição muito, muito bonita.
Enfim, Graça Infinita não é um
livro fácil e acredito que haja o momento certo para ser lido. Eu mesmo senti
que, apesar de ter aproveitado demais a leitura, deveria ter feito isso alguns
anos depois. Com mais bagagem literária e da vida mesmo. Mas, por favor,
coloque Graça Infinita na sua lista de livros a serem lidos. É uma
experiência literária que acredito que todos devam passar alguma vez na vida.
nuss, se o livro for tão complicado quanto a resenha eu não irei entendê-lo. huehuehue
ResponderExcluirLivros grandes demais não me atraem... E Romance é um pouco cansativo.
Estou bem interessada em adquirir o livro, mesmo sabendo que a leitura dele vai ser adiada, é bem gordinho e tenho uns gordinhos na fila de leitura há algum tempo já. Mas a história realmente me intrigou muito! Ótimo texto!
ResponderExcluir150 páginas em 3 dias? :O
ResponderExcluirEstou lendo com mais calma, afinal estou lendo GI junto com outros livros. Adorei a resenha, quando comecei a ler este livro fiquei com pé atrás devido ás notas e ao excesso de maluquice-informativa (você termina de ler a nota x e o autor pede para verificar a 304 que tem 8 paginas ou algo do tipo), não deve agradar a todos, mas se a gente se esforçar um pouquinho e curtir a narrativa, que é hiper-agradável, tudo vai conspirar a favor. =D