Dois Garotos se Beijando | David Levithan

Um dos muitos pontos fortes nas narrativas de David Levithan é a grande capacidade que ele tem para falar sobre o amor. É como se ele pegasse um casal (homem-mulher, homem-homem, mulher-mulher, tanto faz!), arrancasse toda a pele, roupa e identidade deles e deixasse lá só dois esqueletos que se amam; para que, realmente, não importe sobre "qual tipo" de casal nós estamos falando. 
Em Dois Garotos se Beijando, David volta a falar sobre o amor. Só que, dessa vez, sobre as vertentes deste sentimento: a morte, a vida, a disposição, os sacrifícios, o adeus, os riscos, entre outros. 

Ao contrário das obras anteriores, como Todo Dia e Garoto Encontra Garoto, o mais novo livro de David não é uma história de ficção. Por mais que existam muitos personagens no decorrer da narrativa, é possível perceber que cada um deles representa um grupo. E, em alguns momentos, não é necessariamente um grupo, mas sim os anseios, medos e sentimentos de pessoas reais.
Os "dois garotos se beijando" são Harry e Craig, ex-namorados que decidem quebrar o recorde do "beijo mais duradouro do mundo". Para isso, eles precisam ficar TRINTA E DUAS HORAS (!) com os lábios colados, em pé e sem se afastar (se você já está em choque, fique mais ainda: o beijo mais duradouro do mundo é de 58 horas!). Não tarda para que a notícia se espalhe e o local do beijo se torne um ponto de encontro. Milhares de pessoas vão lá para dar apoio e outras milhares protestam.
Muito mais do que ganhar uma página no Guiness, o que os personagens mais querem é quebrar tabús. Um deles, que é muito discutido durante o livro (e, em alguns momentos, a própria dupla se questiona) é: assim como amor é amor, um beijo é um beijo. Não importam os protagonistas, muito menos o gênero de cada um. Não deixa de ser um beijo. (Boom! Olha aí a grande sacada de David Levithan que eu falei no começo). 
Quem está gravando todo o beijo e transmitindo na internet é Tariq, um personagem que foi espancado por homofóbicos. O medo desse personagem representa toda aflição que os homossexuais sofrem hoje em dia simplesmente por ser quem são. O ataque representa não só as agressões físicas, mas também as agressões morais e verbais. 
Só em 2014, foram registrados mais de 216 casos de assassinatos por homofobia no Brasil. Ou seja, Tariq representa esses 216 e muito mais! Antes de ser espancado, Tariq era um personagem completamente seguro de si. Quando o ataque acontece, toda a segurança dele é assassinada e ele se torna frágil. Com esse índice tão alto de assassinatos só no Brasil, dá pra imaginar quanta auto-confiança não foi abalada?
Enquanto isso, em outra cidade, dois garotos se conhecem na balada. Eles são Avery e Ryan, um de cabelo rosa e o outro de cabelo azul. É muito irônico esse relacionamento, já que o azul é popularmente atribuído ao menino e, o rosa, à menina (preciso falar de novo sobre a sacada de David?). Os dois representam o começo de um relacionamento, a fase de descobrir e se apaixonar por alguém.
Outro casal, Peter e Neil, representam o relacionamento estabilizado. Depois que já passou da fase da paixão e da idealização, quando começa a descobrir os defeitos da outra pessoa e, também, a aceitá-los - ou não
Por fim, há o Cooper (o meu personagem preferido), que está se assumindo e quer se descobrir em alguém. A sequência do personagem discute a auto-aceitação, a tentativa desesperada de se encaixar e deixar de ser uma carta fora do baralho. 

Todos esses personagens são exemplos que ilustram um texto muito bonito de David Levithan. A narrativa é bem diferente do que já estamos acostumados. O livro é escrito na primeira pessoa do plural (nós), representando a geração de gays que viveu antes do autor. Eles observam a nova geração de gays - depois do autor. A ideia é que o grupo narrador encontre nos observados tudo que eles poderiam ter feito e não fizeram, ou identifiquem tudo aquilo que eles já fizeram, já viveram e já sentiram. 
Eu achava a capa do livro bem feia antes de ler a história. Quando eu li (em praticamente um dia), entendi que ela é bem conceitual. Primeiro, o azul do fundo representa o menino, a cultura "azul" que um garoto é inserido desde o seu nascimento. Os dois garotos se beijando são formados por palavras, transmitindo a ideia de que um beijo é capaz de dizer muita coisa. 
É válido ressaltar que o público-alvo é bem específico. Nem todas as pessoas vão sair impressionadas com a história e podem até achá-la maçante. Por fim, Dois Garotos se Beijando é um livro muito forte, cheio de pequenas - e grandes! - reflexões que representam muito bem o estilo de escrita e a sensibilidade de David Levithan. 

Rafael Palone

20 anos, é jornalista o tempo todo e Superman nas horas vagas. Potterhead, filho de Hermes, tributo, cinéfilo, membro da erudição, coldplayer, palmeirense, fanático por super-heróis, entre outros. Sabe tocar piano, teclado e campainha. Gosta de escrever e seu maior sonho é entrar no cinema para ver a adaptação de um livro por ele escrito.

    Comentários do Blogger
    Comentários do Facebook

13 comentários:

  1. Nossa, agora eu quero muito ler esse livro, que amor <3
    só não gostei da capa, mas a resenha já me fez adora o conteúdo do livro.
    Vou colocar na minha lista com certeza!

    ResponderExcluir
  2. Seria muito bom se mais pessoas pensassem como o autor e despissem todas as camadas e enxergassem apenas o amor, apenas o beijo e deixassem de lado todos os rótulos.. eu ainda não li nada do autor, mas estou com esse e outro livro do mesmo na minha lista de compras... espero ler ambos ainda este ano..

    ResponderExcluir
  3. O livro deve ser bem cativante, pois além do livro parecer ter um ótimo conteúdo, ele acaba fazendo com que o leitor reflita um pouco mais sobre a homofobia! Eu, assim como você, não tinha gostado da capa, mas depois do seu ponto de vista, eu passei a gostar!

    ResponderExcluir
  4. Quem dera se houvessem mais livros assim, que mostram os problemas que a sociedade infelizmente cria... Racismo, Homofobia, preconceitos....Assim mais pessoas podem ler, refletir, buscar conhecimento sobre o assunto e quando chegar alguém dizendo "negros não prestam, é tudo malandro', podem argumentar e debater, levando o conhecimento à outra pessoa kkk :D

    ResponderExcluir
  5. o livro realmente parece ser bem motivador e faz com que as pessoas reflitam a respeito desses problemas q ocorrem diariamente por diversos lugares

    ResponderExcluir
  6. Estou para ler todo dia desse mesmo autor... se eu gostar do estilo dele, talvez esse entre pra lista de proximas leituras! XD
    Gosto de livros que nos faz refletir! x)

    ResponderExcluir
  7. Oi Rafa,
    Que interessante a proposta do livro, acho muito bom livros que vem com um propósito, principalmente aqueles que quebram o preconceito das pessoas.
    Bacana, me interessei.

    ResponderExcluir
  8. Depois de ler "Garoto Encontra Garoto" quero muito ler esse também.

    ResponderExcluir
  9. Parece ser um bom livro. Aposto que ira acabar com o preconceito de muitas pessoas !

    ResponderExcluir
  10. Eu não tinha tanta vontade de ler esse livro, mas essa resenha foi maravilhosa e o livro parece ser muito bom! >.<

    ResponderExcluir
  11. Sou louca por esse livro e confesso que só tinha me dado conta que a capa representa dois garotos se beijaando ao ler uma outra resenha do livro. Não sei se vou me agradar muito, pois Will e Will me decepcionou, mas se vc diz que é bom eu confio. Agora só resta eu tirar mnhas próprias conclusões.

    ResponderExcluir
  12. Terminei de ler ontem de manhã. Gostei do livro e dos personagens mas não se compara a "Garoto Encontra Garoto".

    ResponderExcluir
  13. Nossa, o preconceito é uma coisa bem medonha mesmo, hein? Enfim, só sei que a única coisa que consegui pensar durante toda a resenha foi: 58 HORAS DE BEIJO!!! É MUITO BEIJO!!!

    ResponderExcluir