Livro: Um Conto Sombrio dos Grimm, de Adam Gidwitz

Há alguns meses, li Contos de Grimm para todas as idades, do Philip Pullman. Nele, o autor da série Bússola de Ouro narra os contos de fadas de maneira direta — sem muita enrolação, como é a versão original — e mostra o lado mais violento e sombrio dessas pequenas histórias. Apesar de ter gostado muito de ler os originais, senti uma falta de entrosamento.
Por deixar tudo muito mais direto e próximo do que os Grimm escreveram, Contos de Grimm para todas as idades acaba se tornando maçante, já que não há envolvimento entre o leitor e as histórias ali apresentadas. E é isso que Adam Gidwitz consegue desfazer e contornar em Um Conto Sombrio dos Grimm.
Neste livro, é apresentada, inicialmente, a história clássica de João e Maria. O autor, porém, resolve inovar: ele mescla outros contos menos conhecidos dos Grimm — como o do Fiel Johannes e o das sete andorinhas — com a história dos dois irmãos que somem na floresta e vão parar na casa de doces. Ou seja, o final de João e Maria não é apenas quando a bruxa cai no forno. Pelo contrário: é apenas o começo. Gidwitz faz um passeio pelas histórias dos Grimm, reinventando-as com a inserção dos irmãos.
Com esse truque narrativo, o autor consegue deixar a história mais próxima dos leitores. Os contos de fadas, tão pouco humanos e próximos da realidade, acabam criando identificação. Fica muito mais fácil, fluído e divertido de ler.
O grande ponto positivo do livro, porém, é o bom humor de Gidwitz. Durante a história, há uma intensa conversa com o leitor. De maneira direta, consciente. Assim como Machado de Assis fez um alguns de seus escritos e, de maneira muito semelhante, como Brandon Sanderson fez na série Alcatraz. Tudo possui um humor ácido e irônico, fazendo-me gargalhar em alguns momentos — como durante os inúmeros finais colocados pelo autor durante a história.
Outro ponto positivo que chamou a atenção foi a interligação dos personagens apresentados nos diversos contos. Não são histórias jogadas e fracamente conectadas. Gidwitz conseguiu criar um laço entre elas, fazendo com que personagens do primeiro conto também aparecessem no último. Isso cria um senso de unidade muito forte, deixando o livro mais interessante e os contos mais próximos de uma possível identificação.
O único pecado de Um Conto Sombrio dos Grimm é a dificuldade em estabelecer um público. Em vários momentos durante as conversas que ele trava com o leitor, o autor fala para tirar as crianças da sala ou para elas fecharem os olhos. Brincadeiras, mas que possuem certa verdade. A crueldade apresentada em alguns momentos mostra que o livro não é para crianças. Afinal, tem escalpelamento, decapitação.
Porém, o livro também não é direcionado aos adultos. A linguagem acaba ficando simples demais em alguns momentos, beirando o ridículo. Ou seja, não há um público exatamente definido. Talvez adolescentes entre 13 e 15 anos. Mas é difícil definir.
Enfim, Um Conto Sombrio dos Grimm é um livro divertido, original e que consegue passar a essência dos contos de fadas. Ótimo começo do autor Adam Gidwitz, que já lançou a continuação da série no exterior.


Matheus Mans

20 anos, estudante de jornalismo. Leitor voraz de qualquer tipo de livro, cinéfilo de carteirinha e apaixonado por música brasileira. Não vive sem doses frequentes de Stephen King, Arnaldo Antunes, Wes Anderson, Woody Allen, Adoniran Barbosa, Neil Gaiman, Doctor Who, Star Wars e muitas outras coisas que permeiam sua vida.

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