Filme: Que Horas Ela Volta?

Há alguns meses, acordei, abri meu celular e me deparei com a notícia de que a Regina Casé havia ganho o prêmio de melhor atuação no Sundance, o maior festival para filmes independentes. Pensei que ainda estava dormindo e que aquilo era um sonho. Ou que, ainda, era uma alucinação causada pelo sono. Afinal, Regina Casé ganhando um prêmio de melhor atuação em um grande festival de cinema internacional? Impossível.

Agora, meses depois, sei que tudo era verdade. Regina Casé e Camila Márdila ganharam Sundance pelo filme Que horas ela volta?, que ainda foi aplaudido de pé pelo público do festival independente e pelo Festival de Berlim. Além disso, a estrela do programa Esquenta! está trilhando seu caminho ao Oscar. Um site norte-americano que acerta quase todas as previsões da premiação já colocou o filme de Anna Muylaert como indicado em Melhor Filme Estrangeiro.

Mas o que é Que horas ela volta? Por que está fazendo tanto sucesso?

Bom, o filme se passa em um típica casa de classe média paulistana: um pai que sofre de depressão e de um conformismo chato (interpretado de maneira concisa pelo escritor Lourenço Mutarelli); uma mãe designer que é amiga de todas as "celebridades" da mais alta classe (com uma boa interpretação de Karine Teles); e o filho adolescente, apático e sem muita força de vontade (o bom Michel Joelsas).

Para uma casa dessa funcionar, obviamente, é preciso de alguém que bote a mão na massa e que não desanime. Este alguém, no longa de Muylaert, é Val (a brilhante Regina). Empregada na casa há anos, a nordestina não para um minuto. Limpa tudo, faz e serve comida, resolve problemas e, acima de tudo, cuida do filho do casal. Assim, ela praticamente vira a mãe dele, já que a biológica só tem tempo para a high society.

Vai tudo muito bem no lar. Até o ponto em que a filha de Val, Jéssica (a excelente Camila Márdila), resolve vir para São Paulo, com o objetivo de fazer vestibular. Já que mora no trabalho, Val acaba recebendo a filha na casa dos patrões. E aí começa nosso filme.

O roteiro, como de qualquer outro filme de Muylaert, é genial. Trabalhado durante muitos anos, ele consegue ser preciso em todos os aspectos. Desenvolve bem a relação entre patrão e empregado, adolescente e empregada, mãe e filha. Além disso, todos os personagens possuem algum momento para brilhar.

Fora isso, a história consegue brilhar nos detalhes. Ao contrário do recente Casa Grande, por exemplo, Muylaert não investe em diálogos didáticos e que irão chocar as pessoas pelo teor. Pelo contrário. Toda a crítica do filme está presente no olhar de Regina Casé, no ângulo da câmera, no silêncio entre um diálogo.

O melhor disso tudo, porém, é que o filme faz rir. Em vários momentos, as pessoas na sala de cinema que eu estava soltavam intensas gargalhadas e, em seguida, surgia um riso nervoso. Afinal, com certeza, todo mundo já tinha vivido aquilo ou, no mínimo, visto alguém fazer o mesmo com seus empregados.

A direção de Muylaert também acerta de uma maneira emocionante. Desde Durval Discos não via a diretora tão inspirada. A câmera frequentemente mostrando a casa a partir da cozinha é genial. A atenção ao detalhes também impressiona: é o ventilador simples de plástico, a sacola das Casas Bahia, o jogo de xícaras "descasado". É tudo muito bem pensado e calculado para criar um fiel retrato do Brasil.

A cereja do bolo, porém, é a atuação de Regina e Camila. Nunca achei que a apresentadora de um programa tão pouco interessante como o Esquenta! fosse apresentar uma atuação tão emocionante e bem construída. Camila Márdila, uma estreante, é imprecável. Faz rir, faz emocionar e, ainda por cima, consegue causar raiva. Tudo isso em uma personagem bem escrita e dirigida.

Uma das cenas de Regina, aliás, deve entrar para a história do cinema nacional. Se você não viu o filme, repare bem na passagem da piscina. Se você viu, sabe do que estou falando e, sem dúvidas, deve concordar comigo. Junção impecável de atuação, direção, roteiro e fotografia.

Enfim, Que horas ela volta? é um exemplo. Exemplo de como Anna Muylaert é uma das melhores diretoras do cinema mundial hoje. Exemplo de que aparências enganam. Exemplo também, principalmente, de que o cinema brasileiro é extremamente capaz.


Matheus Mans

20 anos, estudante de jornalismo. Leitor voraz de qualquer tipo de livro, cinéfilo de carteirinha e apaixonado por música brasileira. Não vive sem doses frequentes de Stephen King, Arnaldo Antunes, Wes Anderson, Woody Allen, Adoniran Barbosa, Neil Gaiman, Doctor Who, Star Wars e muitas outras coisas que permeiam sua vida.

    Comentários do Blogger
    Comentários do Facebook

0 comentários:

Postar um comentário