O surpreendente (e maldito) Zé do Caixão

Passei minha vida inteira no bairro do Ipiranga, na região central de São Paulo. É um bairro que tem as suas peculiaridades e, é claro, suas figuras curiosas. A moradora de rua que cospe em todo mundo, o cara que corre enquanto grita "uhul" e, até alguns anos atrás, uma figura que andava apenas de preto e que tinha longas e assustadoras unhas.

Esta última personalidade é José Mojica Marins, conhecido como Zé do Caixão. Ele tinha um estúdio na Rua Silva Bueno, principal endereço do meu bairro e que serviu de residência para mim e para ele durante os anos de 1990 e no começo dos anos 2000. Isto, entretanto, era tudo que eu sabia sobre Zé do Caixão. Nunca procurei estudar mais sobre ele ou ver os seus filmes de terror. Tudo se limitou aos encontros esporádicos na rua e o meu susto infantil de ver alguém com unhas tão grandes.

Tudo mudou, no entanto, quando recebi para leitura a biografia de Zé Mojica - edição, aliás, incrível e muito bem feita pela editora Darkside. A obra, chamada de Zé do Caixão - Maldito, é um deleite. Conta histórias e passagens da vida do cineasta, que tanto assustou as pessoas no mundo, com detalhes incríveis e que deixam a figura de Zé Mojica mais real e próxima dos leitores.

A biografia de André Barcinski e Ivan Finotti trabalha em dois campos diferentes: a vida de Mojica, como o seus casamentos, relação com os pais e com os seus filhos, sejam eles legítimos ou não. No outro ponto, o livro foca na difícil vida profissional do cineasta, que, apesar do grande sucesso, não conseguiu administrar suas finanças e se vê em apuros até hoje, aos 79 anos.

Apesar da vida pessoal do paulista ser muito interessante (afinal, ele teve inúmeros filhos e tinha uma relação curiosa com os pais), é este retrato da vida profissional de Zé que torna o livro incrível. Além de ser muito curioso ver como ele fazia e viabilizava seus filmes, as descrições das gravações são uma aula de cinema. Cinema, aliás, instintivo e original, coisa pouco vista atualmente.

Além disso, dei muita risada em vários trechos do livro. Mojica perdendo o controle de tarântulas em seu estúdio ou a descrição dele numa fila de McDonald's com pessoas fantasiadas de personagens de Star Trek são impagáveis.

Outro ponto alto do livro é a vasta quantidade de informações. André e Ivan conseguiram buscar falas e fotos de Zé, assim como descrições detalhadas de momentos pessoais de sua vida. Tudo isso deixou o cineasta mais humano, real e compreensível.

Ao final da biografia, além de entender que o Brasil tem mais um gênio incompreendido entre os seus cineastas, o meu sentimento era de gratidão. Gratidão por Zé Mojica não ter desistido e ter colocado o Brasil na rota dos filmes de terror.

Queria, agora, ter meus 8 anos novamente. Assim, ao invés de me assustar ao encontrar com Zé na rua, iria apertar suas mãos - com unhas longas ou não.

Obs.: recomendo, também, a série do canal Space, baseada na biografia de Zé. Mateus Nachtergaele está incrível como Zé do Caixão e a série, apesar de mudar ou tirar alguns momentos importantes da vida do cineasta, consegue passar a essência de sua trajetória.



Matheus Mans

20 anos, estudante de jornalismo. Leitor voraz de qualquer tipo de livro, cinéfilo de carteirinha e apaixonado por música brasileira. Não vive sem doses frequentes de Stephen King, Arnaldo Antunes, Wes Anderson, Woody Allen, Adoniran Barbosa, Neil Gaiman, Doctor Who, Star Wars e muitas outras coisas que permeiam sua vida.

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