"Mais forte que bombas" causa angústia ao desconstruir protagonista

Na sequência inicial do drama “Mais forte que bombas”, de Joachim Trier, a pequena mão de um bebê envolve a ponta de um dedo indicador, quase tão grande quanto a própria criança. A câmera se afasta e vemos uma família em um momento glorioso: o pai, a mãe e o recém-nascido, radiantes. A família feliz e perfeita daquele momento representa uma condição que pouco se repete durante as sequências do filme premiadíssimo em vários festivais de cinema. Trier seleciona elementos frágeis enfrentados pelas famílias e escancara de maneira tão sutil que a angustia é causada gradualmente no espectador. 

O artífice para que a família Reed encontre-se em degradação é a própria mãe. Isabelle Reed (Isabelle Ruppert) é uma fotógrafa que passava meses no oriente médio, registrando os contrastes da sobrevivência em meio a destruição. Duas semanas depois de declarar em uma entrevista que continuaria fazendo este trabalho até a morte, Isabelle morre em um acidente de carro e deixa para trás um marido, Gene(Gabriel Byrne), e dois filhos, Jonah(Jesse Eisenberg) e Conrad (Devin Druid) -a escolha do elenco é um dos pontos positivos. Os personagens têm uma "genética" convincente, formando uma família extremamente crível.

Apesar da morte e da passagem de tempo, Isabelle continua muito presente na rotina dos familiares. Ela é a única personagem que aparece diante da câmera com absurda nitidez, a fotografia deixa claros todos os detalhes de suas feições - desde as rugas, até fios de cabelo desordenados. Num primeiro momento do filme, sabemos muito sobre Isabelle e pouco sobre sua família.

Aos poucos, os valores se invertem. As fotos de Isabelle vão ganhar uma exposição própria, então Gene, Jonah e Conrad precisam resgatar o passado dela e, assim, acabam descobrindo detalhes sórdidos sobre ela, que colocam em questão quem realmente era essa mulher. Essa tática de desconstrução da personagem é muito bem utilizada, com a mesma excelência de filmes como “Garota Exemplar”, de David Fincher. 


Sendo assim, a memória presente e os flashbacks com Isabelle, fazem dela a protagonista do filme. Tanto é que a história aparenta perder complexidade quando se afasta da mãe e foca nos dramas isolados de cada personagem. Enquanto a protagonista é extremamente enigmática, as histórias dos filhos são dramas comuns, rotineiros e básicos: as dificuldades de Conrad para se socializar e se aproximar da “garota popular” ou o reencontro de Jonah com uma ex-namorada depois de muito tempo - sendo este drama representado por uma atuação mediana de Jesse Eisenberg, que não se destaca quando comparado ao ator mirim Devin Druid. 



Por outro lado, as dificuldades pessoais desses dois personagens não afasta  o luto que estão submetidos. Está claro, do começo ao fim do filme, que nossos personagens ainda não superaram a morte da mãe, independente da passagem de tempo. Isabelle Reed continua presente nos discursos, nas lembranças, nos sonhos, nos textos, no silêncio e na melodia triste que toca ao fundo de quase todas as cenas. A família Reed é apresentada sem qualquer didática em uma história alinear. Cabe ao espectador juntar os pontos; até o final do filme, por exemplo, o bebê da cena inicial quase não é citado. 

Com muita sutileza, Isabelle Reed é uma personagem “desapresentada” ao espectador. Enquanto descobrimos as fragilidades e características dos outros personagens, mais dúvidas acumulamos sobre a protagonista. Não sabemos quem é a verdadeira Isabelle e, por mais que a história entregue pistas sobre ela em determinados momentos, a interpretação do espectador torna-se extremamente subjetiva. Ela pode ser a "mocinha" da história, assim como pode ser a "vilã".

“Mais forte que bombas” é um filme dramático e tenso, que causa  um misto de angústia e curiosidade. Estreia nos cinemas de todo o país no dia 07 de abril. Confira o trailer: 




Rafael Palone

20 anos, é jornalista o tempo todo e Superman nas horas vagas. Potterhead, filho de Hermes, tributo, cinéfilo, membro da erudição, coldplayer, palmeirense, fanático por super-heróis, entre outros. Sabe tocar piano, teclado e campainha. Gosta de escrever e seu maior sonho é entrar no cinema para ver a adaptação de um livro por ele escrito.

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