Não é fácil ser Stieg Larsson

A série Millennium foi uma das primeiras a fazer parte da minha lista de favoritos. Achava impecável a mistura entre trama policial, história de investigação jornalística e seus personagens originais, como a jovem atormentada Lisbeth Salander e o repórter Mikael Blomkvist. Era uma mistura incrível, feita com responsabilidade ímpar pelas mãos do sueco Stieg Larsson. E, é claro, não era só eu que achava isso.

A série foi um sucesso em todo mundo, vendendo milhões de exemplares e virando filmes - primeiro uma trilogia sueca e, em seguida, um filme dirigido pelo cultuado David Fincher (Garota Exemplar e Seven). Tudo isso teria deixado Larsson muito feliz. Só que Larsson não pode ver sua obra fazendo o tamanho sucesso que fez: ele morreu pouco antes do lançamento do seu primeiro livro. Sorte que os outros dois já estavam prontos e puderam completar a trilogia, não é?

Não para os editores de Larsson. A série fez tanto sucesso que eles quiseram um quarto volume. Com Larsson  morto, as opções eram duas:  fazer uma psicografia ou contratar um outro escritor para dar a continuidade para a série, como já foi feito com autores como Agatha Christie, Arthur Conan Doyle e Douglas Adams.

Os editores suecos acabaram contratando David Lagercrantz,  um sueco que é mais conhecido por ser o biógrafo do jogador Ibrahimović.  E nada mais. Em 2013, então,  Lagercrantz começou a produzir o quarto livro da série Millenium,  que viria a se chamar  A Garota na Teia de Aranha. Lançado no ano passado, o livro ressuscita Lisbeth Salander e Mikael Blomkvist.

Desta vez, a dupla se encontra numa trama que envolve a NSA - serviço de espionagem americano - e um especialista em inteligência artificial que é misteriosamente morto. Eles acabam se envolvendo na história e se veem na obrigação de desvendar tudo aquilo.

Ou seja: nada muito interessante.

O fiasco do livro começa, então, pela história. É fraca e sem muita força. Logo nas primeiras páginas já é observável que Lagercrantz não tem muito tino para ficção e que ele sabe mesmo é enrolar. Não consegue prender o leitor nas páginas, nem quando Lisbeth aparece.  E o problema, claro, vai sendo prolongado: no meio do livro, você quer colocar a obra em uma fogueira de tão lento que ele é. Nada acontece e, pasmem: a protagonista, Lisbeth, fica desaparecida ao longo de DEZENAS de páginas.

O pior disso é que nenhum outro personagem consegue substituir Lisbeth. Blomkvist está fraco e sem graça nesta versão de Lagercrantz e não desperta nenhum sentimento. Todos os outros personagens secundários se atropelam e não fazem sentido. É apenas um amontoado de clichês e personagens, no mínimo, inúteis.

Por fim, Lagercrantz não é muito inventivo. As situações que deveriam servir como "plot twists" da história de A Garota na Teia de Aranha não causam emoção e, muitas vezes, nem surpresa. Apenas passam, apagadas, pelas páginas.

É claro, porém, que existem pontos positivos. A criação do universo da NSA é bem feita e alguns de seus personagens são levemente divertidos. Além disso, mesmo com uma Lisbeth transformada e  com Blomkvist sem graça, é bacana rever esses personagens.

Os pontos positivos acabam por aí. Lagercrantz falhou terrivelmente em A Garota na Teia de Aranha  e mostrou que ressuscitar autores e personagens não dá certo (vide os casos citados de Doyle, Christie e Adams). O livro é sem graça e uma grande perda de tempo. Coitado de Larsson, que nada pode fazer sobre tal erro literário.

Por fim, como diria minha avó: quem nasceu para ser lagartixa nunca será crocodilo.

E quem nasceu Lagercrantz nunca será Larsson.


Matheus Mans

20 anos, estudante de jornalismo. Leitor voraz de qualquer tipo de livro, cinéfilo de carteirinha e apaixonado por música brasileira. Não vive sem doses frequentes de Stephen King, Arnaldo Antunes, Wes Anderson, Woody Allen, Adoniran Barbosa, Neil Gaiman, Doctor Who, Star Wars e muitas outras coisas que permeiam sua vida.

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